terça-feira, 10 de março de 2009

Prémio "Serviço Regional de Saúde dos Açores é para os ricos!" (não somos nós que o dizemos)

PARA VER SE O MIGUEL CORREIA E A SOFIA DUARTE APRENDEM ALGO...

Publicado 09 Março 2009 11:30 Opinião
Joana Pinto Leite
Será que quem utiliza é quem mais precisa?

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Qualquer sistema de saúde procura garantir que, em caso de necessidade, os cidadãos tenham acesso aos cuidados de saúde adequados. Não espanta por isso que o tema das desigualdades de acesso esteja sempre presente na discussão pública. Essas desigualdades são particularmente preocupantes quando correspondem a iniquidades, quando existe um desajustamento entre o nível de utilização e o nível de necessidade dos pacientes. Ceteris paribus, é razoável que uma pessoa mais velha, por ter maior necessidade de cuidados médicos, consuma uma proporção maior desses cuidados. A equidade não é garantida pela igualdade de utilização, mas quando os serviços que cada um utiliza estão de acordo com a respectiva necessidade de consumo desses serviços. Ou seja, quando quem mais utiliza é quem mais precisa. Saber se este objectivo está ou não a ser atingido obriga inevitavelmente à análise dos números disponíveis.

Apesar do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ter como objectivo a equidade no acesso e na utilização de cuidados de saúde, os mais ricos continuam a ser favorecidos pelo sistema de saúde no seu conjunto (sector público e privado). Em Portugal, os mais pobres são os que menos consomem serviços de saúde, embora evidenciem maior necessidade desses mesmos serviços. Igualmente, os mais pobres são os que sentem maior dificuldade em aceder pela primeira vez ao sistema quando dele necessitam. Esta desigualdade - em necessidades de cuidados de saúde não satisfeitas - é particularmente notória quando enquadrada num contexto internacional, tal como podemos ver na tabela em anexo.

Aliado à iniquidade avaliada a nível nacional, são igualmente claras as disparidades regionais na utilização de serviços médicos. Os Açores apresentam-se com o sistema de saúde pro-rico mais expressivo, seguidos do Norte e da região de Lisboa e Vale do Tejo. Por outro lado, o Algarve é a única região onde os mais pobres são beneficiados pelo sistema de saúde (embora aqui a iniquidade seja praticamente nula).

Curiosamente, o envelhecimento da população, só por si, não agrava nem a iniquidade nacional nem as diferenças regionais do sistema de saúde. Igualmente, as mesmas não são alteradas pelo incremento do nível de educação da população ou pela redução do desemprego (factor muito ligado ao crescimento da economia). O desenvolvimento económico não será por si só suficiente para fazer desaparecer estas disparidades.

Apenas um factor parece influenciar a iniquidade: o rendimento. O nível de rendimento dos cidadãos tem um papel relevante no acesso e utilização dos cuidados de saúde, mesmo num contexto de (tendencial) gratuitidade dos serviços médicos. Note-se que, mesmo que um doente nada tenha de pagar por uma consulta, ele poderá apenas ir a essa consulta se o custo de deslocação até ao hospital lhe for acessível. Aspectos como a distância de sua casa ao hospital, o tempo que essa viagem demora, o custo de transporte ou uma longa lista de espera podem condicionar o acesso à assistência médica.

Em conclusão, a iniquidade na utilização de cuidados de saúde faz-se sentir em todas as regiões do país, favorecendo as famílias de maiores rendimentos. Apesar dos progressos que possam ter existido desde a criação do SNS, há ainda um desajustamento claro. Nem sempre quem precisa tem acesso aos cuidados de saúde adequados. Importa reflectir sobre a forma das políticas públicas corrigirem estas iniquidades.

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